Sonhos

O zumbi pós-moderno, aquele ser moldado durante a modernidade, não sonha os próprios sonhos; sonha os sonhos que o sistema lhe impõe, os sonhos que interessam ao modelo econômico e político. Sem saber, esse ser educado para a relação incessante entre produção e consumo sem limites por uma verdadeira máquina de propaganda e marketing, assume como próprios sonhos que ele jamais sonhou em seu íntimo.

Esse ser subvivente, com baixa autoestima, impregnado do medo do incerto, despreparado para viver a Vida e as emoções e sentimentos que ela traz, passa a assumir como seu todo e qualquer sonho que outros dizem ter sonhado e realizado. Muitos desses sonhos alheios são contados como forma de garantir um comportamento necessário ao sistema onde o subvivente passa a achar que tem seu próprio ideal e usará todo e qualquer meio para atingi-lo.

Olhando para os vivos que sempre estão em busca de seus próprios sonhos e achando que aquilo que lhe impuseram é sim um sonho seu, nosso zumbi, dentro de seu mundo controlado, seguro, individual e independente – e inexistente na realidade –  busca desesperadamente atingir esse sonho, pois assim acha que estará vivendo.

Sonhar o sonho alheio é abdicar de viver a própria Vida. E o tempo passa sem que a Vida floresça dentro de nós.

E aqui entra um personagem cada vez mais presente na sociedade moderna: o traficante de drogas. Ele cria, principalmente nos jovens zumbis, a ideia de uma Vida possível dentro da exploração do vício, da potencialização da zumbificação do outro pela droga, mesmo que essa “pseudo-Vida” dure apenas alguns anos.

“É, doutor, eu vou morrer mesmo! Então que eu tenha tudo que eu quero ter logo!”

Essa frase eu ouvi muitas vezes, vindas, principalmente, de adolescentes das camadas mais pobres da sociedade, onde a maior lacuna é a falta de esperança de ter sonhos próprios. Jovens que tiveram suas Vidas roubadas quando ainda crianças, muitas vezes pelos próprios pais zumbificados.

Ao mesmo tempo em que combate o tráfico, a sociedade atual educa seus filhos para formarem um exército de recrutas para o mundo das drogas e da violência, reforçando a cada momento que o sofrimento não deve fazer parte da Vida, que nela precisamos buscar recursos para não sofrer, agora e no futuro, que precisamos de segurança, certeza, independência e controle sobre a Vida. Mas, novamente: a Vida é exatamente o contrário de tudo isso. Assim, esses recrutas bem preparados, sem esperança no futuro, sem sonhos próprios para viver, sem nenhuma autoestima, dividem-se entre traficantes e dependentes de drogas, soldados de um exército de violência sem razão ou sentido, perambulando pelas ruas e pelos dias como feras sedentas de Vida.

Como saber se o sonho que tenho é realmente meu? Parece fácil, mas pense bem: quando eu sonhei esse sonho? Quando criança? Quando adulto? Quando vi alguém, que considero bem-sucedido, contando seus sonhos realizados?

Claro que podemos ter sonhos já sonhados por outras pessoas. Mas, cuidado: se na busca de um sonho que lhe pareça seu, outro chamado mais intenso começar a brotar dentro de você, reflita e ouça esse chamado interior, mesmo quando sua racionalidade não o compreenda num primeiro momento. Um zumbi tem dificuldade em ouvir esse chamado interior apenas por ele não parecer racional ou real. Mas, um sonho ganha esse nome exatamente por não fazer parte da realidade e estar acima da razão presente. O sonho é uma dádiva da imaginação!

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