São razoavelmente comuns, para quem trabalha com teatro, situações onde é necessário uma dose de improviso em cena.
Lembrando que uma peça fica em cartaz geralmente por alguns meses, é fácil imaginar que em alguma(s) dessa(s) apresentação(ões) algo saia da normalidade. Um texto esquecido, uma palavra trocada, nada demais, mas que exige um pensamento rápido e uma tomada de decisão.
Essa decisão é tomada com base em todo o background do personagem, daí a importância de se ter uma boa construção do personagem. Quem ele é? De onde vem? Onde nasceu? Tudo isso ajuda em um momento de improviso.
Pois bem, essa é uma situação bastante corriqueira em nosso ofício de ator, porém o que ocorreu em uma apresentação do espetáculo “PONTO COM” não foi nada corriqueira, além de ser um exercício de decisão e trabalho em grupo, apoio aos parceiros atores e uma boa dose de desafio.
Era nossa última apresentação, casa cheia, aqueles amigos que não queriam ver “nem a pau” tiveram que ir, afinal de contas, ficar em cartaz por alguns meses e aquele seu “parça” não aparecer nenhum dia é sacanagem. #ficaadica.
Eis que o técnico de som entra para pegar o CD minutos antes, nossa sensação já era de dever cumprido, nada poderia nos abalar. Afinal de contas acabou, era entrar em cena, ser aplaudido e pensar na próxima peça. Não foi esse o desfecho que os Deuses do Teatro, como costumamos chamar essa “energia” do destino por trás das coxias, tinham para nós.
Nosso técnico calmamente se aproxima, depois de alguns minutos zanzando pra lá e pra cá e diz: “Então, o CD sumiu”. “Como é, meu querido?”
– Pois é, sumiu. Já procurei em todos os lugares.
– Como assim? Onde você o guardava?
– Aqui nessa gaveta. Sumiu!
– Pega o CD reserva. (É imprescindível um CD reserva)!
– Então… Estava dentro da mesma caixa!
– Como assim? (É imprescindível que o CD reserva fique em um local DIFERENTE do CD original)!
Obs: Vale frisar que se tratava de uma peça de interação entre personagens pelo computador, então a musica e os “plims” de mensagens chegando se tornavam obrigatórios para nortear a atriz principal.
A atriz principal, que não saia do palco começou a acreditar que aquilo podia não ser uma brincadeira, e não era! Nossa diretora havia viajado para um espetáculo fora de São Paulo. Tínhamos que tomar uma decisão. Chegamos a decidir que não apresentaríamos, alias esta foi a primeira decisão (quase) unânime, pois eu, como Clown, AMO ESSAS SITUAÇÕES, onde não temos a menor ideia de onde estamos pisando.
Tudo pronto, peça atrasada, gente sentada no chão, última apresentação e tínhamos que decidir. Então o grupo decidiu. Vamos em frente, apresentamos sem trilha sonora, mas (sempre tem um mas) vamos lá avisar o público antes, por que não vão gostar. E lá fomos nós explicar ao nosso publico que estávamos sem trilha e faríamos na garganta, ou seja, qualquer “plim” de mensagem ou música do espetáculo seria cantada, enquanto nos trocávamos atrás da coxia.
Bem, metade riu da nossa declaração e tinham certeza de que aquilo fazia parte do espetáculo, mas havia o público cativo (mãe, irmã, namoradas(os), etc…) que percebeu que algo de errado estava acontecendo.
Resumindo, na primeira música que cantei na coxia, e o público percebeu o que estaríamos por fazer, recebi um espantoso aplauso, público de pé, a ponto de não conseguirmos seguir com a próxima cena enquanto eu não apareci da coxia para agradecer. O espetáculo seguiu em uma energia muito positiva, concentração altíssima e o público adorando e torcendo por nós.
Dentro da arte de viver, o improviso sempre esteve presente, e improvisa melhor quem está preparado. Essa foi a mensagem que ficou para todos nós. Além é claro de saber que um improviso, algo inesperado, sempre gera uma adrenalina deliciosa e positiva, basta saber observá-lo, aproveitá-lo e estar preparado. Mesmo que tudo dê errado será uma experiência incrível que ficará pra sempre na memória. Talvez os Deuses do Teatro tenham escondido este CD, ou talvez algum de nós. Nunca saberemos. IMPROVISE!
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